É possível vender os precatórios?

Por Thiago Couto, Marcelo Sasso e Leandro Almeida 

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No Brasil, a presença marcante do Estado na vida dos cidadãos é uma realidade que molda diversas esferas da sociedade. A burocracia estatal manifesta-se por meio de uma extensa teia de normas, regulamentos e procedimentos, que muitas vezes tornam as relações entre o Estado e os cidadãos complexas e morosas.

Essa presença na vida do brasileiro não apenas configura um desafio para a efetividade administrativa, mas também desencadeia um fenômeno de judicialização que impacta diretamente a dinâmica social. Neste panorama, as condenações judiciais para pagamento pela Fazenda Pública, ocorrem por meio dos precatórios.

O precatório é uma forma de garantir que o poder público cumpra suas obrigações financeiras decorrentes de decisões judiciais. O documento estabelece a ordem de pagamento, indicando o valor devido, a quem deve ser pago e as condições específicas para a quitação da dívida. Ou seja, o precatório é o reconhecimento de uma dívida que surgiu de uma ação definitiva contra o poder público. Conforme art. 100 da Constituição Federal de 1988:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.   

Os precatórios podem ser os comuns, que são os referentes a obrigações gerais do ente público, como condenações em ações cíveis, por exemplo. Esses precatórios seguem a ordem cronológica de apresentação, respeitando a antiguidade das requisições. E os alimentares que são os decorrentes de ações judiciais relacionadas a dívidas alimentares, como pensões alimentícias, salários e benefícios previdenciários. Em alguns casos, os precatórios alimentares têm prioridade no pagamento em relação aos precatórios comuns:

§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo. 

§ 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.

Já outra questão importante é a Requisição de Pequeno Valor (RPV), esta é o reconhecimento de uma dívida, de menor valor, em que a Fazenda Pública deve pagar ao credor. Dessa forma, cada ente federado tem a autonomia para determinar por lei o valor da RPV, essa determinação é relacionada ao maior benefício do regime geral da previdência social. De modo geral, a principal diferença entre Precatório e RPV está no rito de pagamento, esta tem um prazo de pagamento de até 60 dias, contados da data do protocolo no Tribunal, os precatórios seguem outro procedimento. Por fim, a CF88 veda o partilhamento do crédito dos precatórios e RPVs:

§ 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

§ 4º Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social. 

§ 8º É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento de parcela do total ao que dispõe o § 3º deste artigo. 

Destacamos a possibilidade do credor renunciar a uma porção do valor total do precatório para adequar o seu recebimento aos valores do RPV. No entanto, essa decisão deve ser analisada cuidadosamente, visto que, em regra, o pedido de renúncia do valor excedente implica em perder o direito sobre estes.

Ainda, o ente federado poderá requisitar o abatimento dos débitos inscritos em dívida ativa. Antes da expedição do precatório será requisitado pelo Tribunal a resposta ao ente em 30 dias se há dívidas a serem abatidas no valor do precatório, sob pena de perdimento deste direito:

§ 9º Sem que haja interrupção no pagamento do precatório e mediante comunicação da Fazenda Pública ao Tribunal, o valor correspondente aos eventuais débitos inscritos em dívida ativa contra o credor do requisitório e seus substituídos deverá ser depositado à conta do juízo responsável pela ação de cobrança, que decidirá pelo seu destino definitivo. 

§ 10. Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os fins nele previstos.  

As mudanças trazidas pela Emenda Constitucional 113 de 2021, incluíram novas formas de utilização dos precatórios, podendo ser entendidas com formas diversas de recebimento dos valores, além do pagamento em dinheiro, são elas:

§ 11. É facultada ao credor, conforme estabelecido em lei do ente federativo devedor, com auto aplicabilidade para a União, a oferta de créditos líquidos e certos que originalmente lhe são próprios ou adquiridos de terceiros reconhecidos pelo ente federativo ou por decisão judicial transitada em julgado para:         

I – quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente federativo devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente;      

II – compra de imóveis públicos de propriedade do mesmo ente disponibilizados para venda;      

III – pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo mesmo ente;     

IV – aquisição, inclusive minoritária, de participação societária, disponibilizada para venda, do respectivo ente federativo; ou

V – compra de direitos, disponibilizados para cessão, do respectivo ente federativo, inclusive, no caso da União, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo.     

A atualização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, a partir de 2009, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios (§ 12, art. 100, CF88). 

A CF88 prevê a possibilidade da cessão de direito sobre o crédito de precatórios, portanto, repassar o crédito para terceiros é constitucional. Conforme § 13 e 14, do art. 100, CF88:

§ 13. O credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do devedor, não se aplicando ao cessionário o disposto nos §§ 2º e 3º.   

§ 14. A cessão de precatórios, observado o disposto no § 9º deste artigo, somente produzirá efeitos após comunicação, por meio de petição protocolizada, ao Tribunal de origem e ao ente federativo devedor.    

A cessão de crédito (arts. 286 a 298, CC) é uma alternativa de transmissão das obrigações, por meio do contrato de cessão de direitos. Instrumentalizada por um contrato entre duas partes: o cedente, que é quem cede tais direitos, e o novo credor, denominado cessionário.

O contrato de cessão de direitos contém a transferência do direito sobre um bem de uma pessoa a outra, formalizando este processo. Sendo imprescindível esta formalidade para dar validade jurídica à transmissão. Desta feita, para ser reconhecida por terceiros, deve ser registrada por escritura pública ou instrumento particular, em um cartório de registro. Bem como, deve ser protocolizada petição no tribunal de origem e informada ao ente devedor, esclarecendo que não necessita de autorização deste conforme mandamento constitucional.

Já em relação ao processo de venda do precatório, envolve o cedente (o vendedor e titular do título), o cessionário (comprador do precatório) e o crédito cedido (objeto da cessão), que será o transmitido com a venda.  Há diferentes modalidades de contrato, como o contrato de empréstimo, a antecipação de valores e a aquisição do precatório com deságio.  

Dessa maneira, o processo de venda acontece com a decisão do credor em vender seu precatório para um comprador, considerando uma taxa de desconto, por meio da assinatura do contrato de cessão.  Observando que o valor da venda é sempre mais baixo que o valor total do crédito, pois possuem variáveis que descontam desse valor, sendo as principais: risco de frustração da execução; morosidade do processo de execução; honorários advocatícios; tributos; além de outras. 

Por fim, a CF88 ainda prevê uma série de outras regras em relação aos precatórios como a possibilidade de regimes especiais de pagamento (§ 15, art. 100, CF88), a utilização de precatórios de titularidade dos entes federados (§ 21 e 22, art. 100, CF88), e uma série de outras de ordem orçamentária e financeira.

Assim, os serviços jurídicos são pedra fundamental no processo de precatórios, desde a ação contra o poder público, até uma eventual cessão dos direitos creditórios de um valor em precatório. Pois, essa contratação visa assegurar que o credor receba o que lhe é devido de maneira justa e eficiente, evitando problemas jurídicos, atrasos desnecessários e garantindo uma abordagem estratégica para maximizar os benefícios.

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