Sobre a Regularização Fundiária Urbana (REURB)

Por Thiago Couto, Marcelo Sasso e Leandro Almeida 

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A regularização fundiária traz múltiplos benefícios, e diversas externalidades positivas, promovendo o desenvolvimento urbano e social das áreas afetadas, permitindo uma geração de crédito automático lastreado em garantias reais, ou seja, promove a economia nacional. Esta deve ser foco de toda a sociedade, dos representantes políticos e principalmente dos gestores públicos envolvidos com habitação e urbanismo, sendo uma excelente ferramenta para enfrentar os problemas habitacionais decorrentes das ocupações informais. A regularização fundiária urbana é um processo de intervenção pública em centros urbanos informais, buscando melhorar a qualidade de vida dos ocupantes através da entrega de título de propriedade e uma série de melhorias urbanísticas e de infraestrutura de serviços públicos essenciais.

No Brasil a mudança de um país agrário para um país industrializado produziu um crescimento massivo e rápido da urbanização no século XX. Essa situação produziu crescimento desordenado nas cidades, bem como, uma pressão por empregos e serviços públicos. A necessidade de melhores condições de vida deu origem aos movimentos sociais urbanos, como os movimentos de moradia e os movimentos de implantação ou melhoria dos serviços públicos. Buscando regular essa realidade temos os Decreto-Lei 271 de 28 de fevereiro de 1967, cujo era obrigatório o registro do parcelamento, a Lei 4.778 de 22 de setembro de 1965, que apresentava um início das “preocupações urbanísticas”, com a aprovação pela Prefeitura em questões sanitárias, militares e florestais.

Como decorrência do desenvolvimento do arcabouço legal temos finalmente a edição da Lei 13.465 de 11 de julho de 2017, juntamente com o Decreto n.º 9.310, de 15 de março de 2018, grandes marcos normativos sobre o tema, que definem a Regularização Fundiária Urbana (REURB) como um conjunto de medidas legais, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas a incorporar centros urbanos informais ao território da cidade. As novas regulamentações flexibilizam os princípios tradicionais do registro de imóveis no Brasil, aumentando o alcance para cumprimento dos seus objetivos institucionais. A lei de REURB foi publicada justamente pela ineficiência e inviabilidade de regularização da cidade por meio dos instrumentos jurídicos vigentes.

A Lei devolve e reforça a competência do Município para implementar a REURB independentemente de leis municipais. Ainda esclarece que a regularização de imóveis urbanos em núcleos informais resolve problemas de ordem jurídica, urbanística, ambiental e social, dentre os diversos dispositivos que buscam essas finalidades. Ainda, apresenta-se como um instrumento interdisciplinar que busca atuar em situações complexas que envolvem a ocupação urbana e como um efetivo instrumento de reforma urbana fundiária. Ao permitir a outorga de propriedade plena ao ocupante por meio da legitimação fundiária em substituição aos direitos reais de concessão de uso, materializa o direito real à moradia e ao direito de propriedade. A Lei também corrige um problema social histórico ao sugerir que a mulher seja preferencialmente titulada na REURB.

Dada a riqueza de detalhes dos artigos 9° e 10° da Lei, dos quais dispõem acerca das normas gerais e objetivos do instituto, reproduzimos os dois na íntegra, vejamos: 

Art. 9º Ficam instituídas no território nacional normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (REURB), a qual abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes.

§ 1º Os poderes públicos formularão e desenvolverão no espaço urbano as políticas de suas competências de acordo com os princípios de sustentabilidade econômica, social e ambiental e ordenação territorial, buscando a ocupação do solo de maneira eficiente, combinando seu uso de forma funcional.

§ 2º A REURB promovida mediante legitimação fundiária somente poderá ser aplicada para os núcleos urbanos informais comprovadamente existentes, na forma desta Lei, até 22 de dezembro de 2016.

Art. 10. Constituem objetivos da REURB, a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios:

I – identificar os núcleos urbanos informais que devam ser regularizados, organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior;

II – criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial urbano e constituir sobre elas direitos reais em favor dos seus ocupantes;

III – ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados;

IV – promover a integração social e a geração de emprego e renda;

V – estimular a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade;

VI – garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas;

VII – garantir a efetivação da função social da propriedade;

VIII – ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes;

IX – concretizar o princípio constitucional da eficiência na ocupação e no uso do solo;

X – prevenir e desestimular a formação de novos núcleos urbanos informais;

XI – conceder direitos reais, preferencialmente em nome da mulher;

XII – franquear participação dos interessados nas etapas do processo de regularização fundiária.

A Lei não estipula um prazo em que seja permitida a sua aplicação, possibilitando o seu uso em núcleos urbanos consolidados após sua edição. Porém é de se destacar que há divergência quanto ao entendimento de aplicabilidade temporal da norma. No entanto, a abordagem favorável a um marco temporal revela graves deficiências técnicas, jurídicas e fáticas das realidades encontradas nas cidades do território nacional, pois, a falta de vontade política dos municípios em fiscalizar efetivamente para evitar a formação de novos núcleos irregulares, bem como, a grande burocracia e custos para serem realizados de forma legal, afastam a moradia digna e o direito de propriedade dos mais necessitados .

A REURB busca atuar nos núcleos urbanos informais, porém esses podem ser não apenas moradias construídas em áreas invadidas espontaneamente, mas também condomínios, loteamentos e outros, que foram loteados de forma irregular ou ainda que não tenham sido finalizados de acordo com a legislação. Portanto, a REURB não é voltada apenas para regularização de favelas, assentamentos e ocupações irregulares, mas também de loteamentos clandestinos que não seguiram a legislação de parcelamento do solo. Vejamos as definições contidas no artigo 11 da Lei, a saber:

Art. 11. Para fins desta Lei, consideram-se:

I – núcleo urbano: assentamento humano, com uso e características urbanas, constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972 , independentemente da propriedade do solo, ainda que situado em área qualificada ou inscrita como rural;

II – núcleo urbano informal: aquele clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização;

III – núcleo urbano informal consolidado: aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município;

Ainda, a Lei traz os institutos jurídicos para a realização da REURB, com algumas novidades e outras que fazem parte do arcabouço legal pátrio. Os institutos são as vias pelas quais a REURB pode ser executada. O artigo 15 indica esses instrumentos, de forma não taxativa, sendo: Legitimação fundiária; Legitimação de posse; Usucapião; Desapropriação em favor dos possuidores; Arrecadação de bem vago; Consórcio imobiliário; Desapropriação por interesse social; Direito de preempção; Transferência do direito de construir; Intervenção do poder público em parcelamento clandestino ou irregular; Alienação de imóvel pela administração pública diretamente para seu detentor; Concessão de uso especial para fins de moradia; Concessão de direito real de uso; Doação; e Compra e venda.

Um dos principais institutos informados é a Legitimação Fundiária, como mecanismo de reconhecimento da aquisição originária do direito real de propriedade sobre unidade imobiliária objeto da REURB. Ela constitui uma forma originária de aquisição do direito real de propriedade, exclusivamente no âmbito da REURB, nesse caso a Lei é expressa em determinar um marco temporal até a data de 22 de dezembro de 2016. É uma forma eficaz e simples de estabelecimento da regularização fundiária, independente do tempo e da natureza da posse sobre o bem, os artigos 23 e 24 dispõe sobre o instituto, vejamos:

Art. 23. A legitimação fundiária constitui forma originária de aquisição do direito real de propriedade conferido por ato do poder público, exclusivamente no âmbito da REURB, àquele que detiver em área pública ou possuir em área privada, como sua, unidade imobiliária com destinação urbana, integrante de núcleo urbano informal consolidado existente em 22 de dezembro de 2016.

§ 1º Apenas na REURB-S, a legitimação fundiária será concedida ao beneficiário, desde que atendidas as seguintes condições:

I – o beneficiário não seja concessionário, foreiro ou proprietário exclusivo de imóvel urbano ou rural; 

II – o beneficiário não tenha sido contemplado com legitimação de posse ou fundiária de imóvel urbano com a mesma finalidade, ainda que situado em núcleo urbano distinto; e

III – em caso de imóvel urbano com finalidade não residencial, seja reconhecido pelo poder público o interesse público de sua ocupação.

§ 2º Por meio da legitimação fundiária, em qualquer das modalidades da REURB, o ocupante adquire a unidade imobiliária com destinação urbana livre e desembaraçada de quaisquer ônus, direitos reais, gravames ou inscrições, eventualmente existentes em sua matrícula de origem, exceto quando disserem respeito ao próprio legitimado.

§ 3º Deverão ser transportadas as inscrições, as indisponibilidades ou os gravames existentes no registro da área maior originária para as matrículas das unidades imobiliárias que não houverem sido adquiridas por legitimação fundiária.

§ 4º Na REURB-S de imóveis públicos, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e as suas entidades vinculadas, quando titulares do domínio, ficam autorizados a reconhecer o direito de propriedade aos ocupantes do núcleo urbano informal regularizado por meio da legitimação fundiária.

§ 5º Nos casos previstos neste artigo, o poder público encaminhará a CRF para registro imediato da aquisição de propriedade, dispensados a apresentação de título individualizado e as cópias da documentação referente à qualificação do beneficiário, o projeto de regularização fundiária aprovado, a listagem dos ocupantes e sua devida qualificação e a identificação das áreas que ocupam.

§ 6º Poderá o poder público atribuir domínio adquirido por legitimação fundiária aos ocupantes que não tenham constado da listagem inicial, mediante cadastramento complementar, sem prejuízo dos direitos de quem haja constado na listagem inicial.

Art. 24. Nos casos de regularização fundiária urbana previstos na Lei nº 11.952, de 25 de junho de 2009 , os Municípios poderão utilizar a legitimação fundiária e demais instrumentos previstos nesta Lei para conferir propriedade aos ocupantes.”

I – o beneficiário não seja concessionário, foreiro ou proprietário exclusivo de imóvel urbano ou rural; 

Outro instituto importante da Lei é a legitimação de posse, descrita com detalhes no artigo 25, por ato do poder público confere título, reconhecendo a posse do imóvel, e esta será conversível em aquisição de direito real de propriedade. Este instituto não confere o direito de propriedade, apenas oficializa a posse, sendo que a aquisição da propriedade, poderá ser realizada após 5 (cinco) anos da legitimação de posse, caso seja contínua e ininterrupta. Poderá ser adquirida a propriedade através das formas existentes de usucapião, desde que cumpridos os requisitos legais ou constitucionais do caso concreto. Vale destacar que o arcabouço pátrio não permite a usucapião de bem público, desta forma, a Lei 13.465/2017, prevê que não pode haver a legitimação da posse em imóveis de titularidade estatal. Ainda, conforme disposto no artigo 27 da lei, a legitimação de posse pode ser cancelada pelo poder público emitente, caso seja constatado descumprimento das condições legais pelo beneficiário.

A Lei 13.465 de 11 de julho de 2017, dispõe sobre a regularização fundiária urbana, sendo um instituto que possui um conjunto de medidas legais, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas a incorporar centros urbanos informais no território da cidade. Assim, a regularização fundiária traz em seu bojo de ação diversas externalidades positivas, para a promoção do desenvolvimento urbano e social nas áreas afetadas, integrando os cidadãos à cidade, de forma a produzir um efeito imediato no sentimento de pertencimento ao espaço urbano. Dessa forma, legalizar propriedades de assentamentos urbanos irregulares, geralmente ocupados pela parte mais necessitada da sociedade, possibilita a transformação da sua realidade econômico social, mas que, de acordo com a atual legislação, não fazem parte de sua propriedade.

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