Não retroatividade da norma administrativa

Por Thiago Couto, Marcelo Sasso e Leandro Almeida 

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O direito administrativo é um ramo do direito público que se dedica ao estudo das normas e princípios que regem a administração pública, bem como a relação entre o Estado e os administrados. Este campo do direito é fundamental para o funcionamento do Estado, pois regula a atuação dos órgãos e agentes públicos na prestação de serviços públicos. A administração pública deve sempre agir em conformidade com a lei e os princípios constitucionais, como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.

A norma administrativa, por sua vez, é uma regra que especifica como os princípios e as leis administrativas devem ser aplicados em situações concretas. Essas normas podem ser oriundas de diversos atos administrativos, como decretos, portarias, resoluções e instruções normativas, sendo instrumentos essenciais para a operacionalização das funções administrativas. As normas administrativas detalham procedimentos, definem competências e estabelecem padrões de conduta que devem ser observados pelos agentes públicos, garantindo assim a uniformidade e a legalidade das ações administrativas.

O direito administrativo e as normas administrativas estão intrinsecamente ligados, pois enquanto o primeiro define o arcabouço legal e os princípios gerais que orientam a administração pública, as normas administrativas especificam como esses princípios devem ser implementados na prática diária da gestão pública. Dessa forma, asseguram que a administração pública atue de maneira eficiente, transparente e justa, respeitando os direitos dos cidadãos e promovendo o interesse público.

Já um dentre tantos poderes da administração pública é o poder sancionador, este refere-se à prerrogativa de aplicar sanções a indivíduos ou entidades que descumpram normas e regulamentos administrativos. Esse poder é uma manifestação da função administrativa do Estado e visa assegurar a ordem pública, a segurança, a saúde e outros interesses coletivos tutelados pelo ordenamento jurídico.

A base legal para o exercício do poder sancionador encontra-se na Constituição Federal, em leis específicas e em regulamentos administrativos que estabelecem as infrações e as correspondentes sanções. As sanções podem variar desde advertências, multas e suspensão de atividades até a cassação de licenças e a interdição de estabelecimentos. A aplicação dessas sanções deve observar os princípios do direito administrativo, entre os quais destacam-se a legalidade, a proporcionalidade, a ampla defesa e o contraditório.

O princípio da legalidade impõe que a administração pública só pode aplicar sanções previstas em lei. Isso significa que não pode haver penalidades sem a devida previsão legal, garantindo-se assim a segurança jurídica e a previsibilidade das ações estatais. Já o princípio da proporcionalidade assegura que a sanção aplicada seja adequada à gravidade da infração cometida, evitando excessos e abusos por parte da administração.

Outro princípio fundamental é o da ampla defesa e do contraditório, que garante aos administrados o direito de serem ouvidos e de contestarem as acusações antes da aplicação de qualquer sanção. Esse princípio é essencial para a proteção dos direitos dos indivíduos e para a legitimidade do processo sancionador.

No exercício do poder sancionador, a administração deve também respeitar o devido processo legal, que inclui a instauração de um processo administrativo regular, a notificação dos interessados, a possibilidade de apresentação de defesa e a análise imparcial dos fatos e argumentos apresentados.

Além disso, as decisões administrativas sancionadoras estão sujeitas a controle judicial. Isso significa que o Judiciário pode ser acionado para revisar atos administrativos que violem direitos ou que não estejam em conformidade com a lei. O controle judicial é um importante mecanismo de equilíbrio e proteção contra possíveis arbitrariedades da administração pública.

Assim, a penalidade administrativa deve ser estabelecida com base na norma em vigor quando o fato gerador ocorreu, não sendo possível retroagir uma norma sancionadora posterior para beneficiar o infrator. Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial interposto pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para aumentar a multa imposta a uma empresa de transportes. O resultado do julgamento representa uma mudança de posição, pois até então o colegiado vinha entendendo que, para os casos de Direito Administrativo Sancionador deveria retroagir a lei ou norma mais benéfica. Esse tipo de retroação está previsto no artigo 5º, inciso XL, da Constituição. Apesar de fazer referência à lei penal, ela vinha sendo interpretada pelo STJ como um princípio geral a ser aplicado em todas as situações sancionatórias.

Em 2022, o Supremo Tribunal Federal julgou o Tema 1.199 da repercussão geral e estabeleceu as hipóteses em que a nova Lei de Improbidade Administrativa deve retroagir (tema de newsletter anterior). No voto vencedor, do ministro Alexandre de Moraes, ficou definido que a norma que estabelece a retroatividade da lei penal mais benéfica se baseia nas peculiaridades desse ramo do Direito, que está vinculado à liberdade do criminoso. Essa seria, portanto, uma exceção à regra, que deve ser interpretada restritivamente. “Principalmente porque, no âmbito da jurisdição civil, impera o princípio tempus regit actum”, disse o ministro. O princípio do tempus regit actum determina que o tempo rege o ato, ou seja, as ações são regidas pela lei da época em que foram praticadas.

O relator da matéria no STJ, ministro Gurgel de Faria, apontou que não seria coerente aplicar a lei mais benéfica nos casos de redução de multa (penalidade mais branda) e deixar de aplicá-la nas demandas de improbidade administrativa, que têm sanções muito mais graves. Ele afirmou: “Considerando os critérios delineados pelo STF, a rigor, a penalidade administrativa deve se basear no princípio tempus regit actum, salvo se houver previsão autorizativa de aplicação do normativo mais benéfico posterior às condutas pretéritas”. A votação foi unânime. A ministra Regina Helena Costa pediu a palavra para expressar sua posição pessoal, por entender que, se é possível retroagir a lei penal, que é mais grave, deve ser possível retroagir a lei administrativa sancionadora.

No caso julgado, uma empresa de transporte foi multada por uma infração cometida enquanto estava em vigor a Resolução ANTT 3.056/2009, que fixava o valor mínimo da punição em R$5.000,00. Posteriormente, entrou em vigor a Resolução ANTT 4.799/2015, que reduziu o valor mínimo para R$ 550,00. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região aplicou ao caso a jurisprudência até então vigente no STJ e retroagiu a norma administrativa mais benéfica ao réu, reduzindo a multa. Com o provimento do recurso especial da ANTT, a punição retorna ao patamar previsto na época da infração, de R$ 5.000,00.

Dada a complexidade e a insegurança jurídica envolvidas na aplicação das normas e princípios do direito administrativo, torna-se evidente a importância de uma assessoria jurídica qualificada e da análise detalhada de cada caso concreto. A recente decisão do STJ, que reafirma o princípio tempus regit actum e impede a retroatividade de normas administrativas sancionatórias mais benéficas, diferente do posicionamento acerca da Lei de Improbidade Administrativa, a situação ilustra bem essa necessidade. Uma interpretação jurídica cuidadosa é fundamental para garantir que os princípios de legalidade, proporcionalidade, ampla defesa e contraditório sejam respeitados, evitando arbitrariedades e assegurando a justiça.

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