A inteligência artificial e o mundo jurídico

Por Thiago Couto, Marcelo Sasso e Leandro Almeida 

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A revolução impulsionada pela inteligência artificial (IA) está transformando profundamente vários campos do conhecimento e setores econômicos, e o setor jurídico não é exceção. A aplicação da IA no direito tem o potencial de reconfigurar práticas estabelecidas, automatizar processos e expandir o acesso à justiça. No entanto, essa transformação também apresenta uma série de desafios éticos, legais e sociais que precisam ser abordados com atenção.

Entre as áreas mais impactadas pela IA no setor jurídico está a automação de processos. Ferramentas baseadas em IA estão sendo desenvolvidas para executar tarefas repetitivas e rotineiras, como a revisão de documentos, a pesquisa de jurisprudências e a gestão de contratos. Essas tecnologias prometem reduzir significativamente o tempo e os custos associados a essas atividades, permitindo que os advogados se concentrem em questões mais complexas e estratégicas.

Por exemplo, softwares de análise de documentos legais podem revisar grandes volumes de informações de forma automatizada, identificando rapidamente os documentos relevantes para um caso específico. Isso não só acelera o processo, como também minimiza erros humanos. Além disso, plataformas de gerenciamento de contratos baseadas em IA podem monitorar automaticamente cláusulas, prazos e obrigações, assegurando o cumprimento contínuo dos termos acordados.

A pesquisa jurídica, que tradicionalmente envolve extensas horas de análise de textos legais, jurisprudências e doutrinas, está sendo revolucionada pela IA, especialmente por meio de aprendizado de máquina e processamento de linguagem natural (PLN). Essas tecnologias permitem que advogados acessem informações relevantes com maior rapidez e precisão.

Sistemas de IA são capazes de interpretar perguntas em linguagem natural e buscar respostas em vastos bancos de dados legais, fornecendo resultados baseados em precedentes e argumentos pertinentes. Isso não só torna o processo mais eficiente, como também pode revelar insights que poderiam passar despercebidos por um humano.

Outra aplicação promissora da IA no direito é a previsão de resultados judiciais. Modelos de IA, alimentados com grandes volumes de dados históricos de casos, podem prever a probabilidade de sucesso de uma ação judicial com base em precedentes e padrões de decisão. Esses sistemas analisam uma variedade de variáveis, como a natureza do caso, o histórico do juiz e a jurisprudência relevante.

Essa tecnologia pode ser valiosa na avaliação de riscos jurídicos, ajudando advogados a orientar seus clientes com base em probabilidades calculadas. Além disso, pode influenciar estratégias de negociação e até mesmo a decisão sobre levar ou não um caso a julgamento.

A combinação de IA com a tecnologia blockchain também está começando a moldar o futuro dos contratos. Os “contratos inteligentes” são programas de computador que executam automaticamente as cláusulas contratuais quando condições predeterminadas são atendidas. Armazenados em blockchains, esses contratos garantem transparência e imutabilidade.

No entanto, apesar das numerosas vantagens, a IA apresenta desafios significativos, especialmente em relação ao viés e à discriminação. Como os modelos de IA são treinados com dados históricos, podem perpetuar e até intensificar preconceitos existentes. No contexto jurídico, isso pode resultar em discriminação em decisões automatizadas de concessão de crédito, sentenças judiciais ou na análise de candidatos a empregos.

Outro desafio crítico é a transparência e a explicabilidade dos algoritmos de IA. Muitos modelos atuais, especialmente os baseados em aprendizado profundo, funcionam como “caixas pretas”, onde os processos internos são opacos, até mesmo para os desenvolvedores. No setor jurídico, isso levanta preocupações sobre como as decisões automatizadas podem ser justificadas e verificadas.

A falta de transparência pode ser problemática, especialmente quando decisões de IA impactam diretamente a vida das pessoas, como em sentenças judiciais ou decisões de asilo. A incapacidade de explicar como uma conclusão foi alcançada pode comprometer a confiança no sistema de justiça e levar a contestações legais.

A questão da responsabilidade é central na discussão sobre IA e direito. Quando uma decisão tomada por uma IA resulta em erro ou dano, quem deve ser responsabilizado? O desenvolvedor do software, a empresa que o implementou ou o usuário que confiou na tecnologia?

Essas questões são particularmente complexas no direito, onde erros podem ter consequências graves. Por exemplo, se uma IA recomendou uma sentença que depois foi considerada injusta, como determinar a responsabilidade legal? A ausência de um marco regulatório claro para essas situações é um desafio que precisa ser enfrentado à medida que a IA se integra mais ao sistema jurídico.

Com o aumento do uso de IA, a privacidade e a proteção de dados tornam-se questões cruciais. Ferramentas de IA frequentemente dependem de grandes quantidades de dados pessoais para funcionar efetivamente, o que levanta preocupações sobre como esses dados são coletados, armazenados e utilizados.

No direito, a proteção de informações sensíveis é fundamental. Advogados e juízes devem garantir que dados confidenciais não sejam expostos ou mal utilizados. A adoção de IA no setor jurídico deve ser acompanhada por rigorosas medidas de segurança e conformidade com regulamentações de proteção de dados, como o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia.

Uma das maiores promessas da IA no setor jurídico é a potencial democratização do acesso à justiça. Ferramentas de IA podem oferecer assistência legal a indivíduos que, de outra forma, não teriam condições de pagar por um advogado. Chatbots jurídicos, por exemplo, podem fornecer orientação inicial em questões legais comuns, ajudando cidadãos a entender seus direitos e a tomar decisões informadas.

Esses sistemas podem responder a perguntas frequentes, preencher documentos legais e até mesmo guiar os usuários em processos judiciais simples. Isso pode ser especialmente útil em comunidades carentes ou em regiões com acesso limitado a serviços jurídicos.

A IA também está impulsionando o desenvolvimento de plataformas de resolução de disputas online (ODR), que permitem que disputas legais sejam resolvidas sem a necessidade de uma audiência física. Essas plataformas podem automatizar partes do processo de mediação e arbitragem, oferecendo uma alternativa mais rápida e econômica ao litígio tradicional.

Por exemplo, disputas de consumidores, conflitos trabalhistas ou questões de pequenas causas podem ser resolvidas de forma eficiente por meio de ODRs, onde a IA facilita a negociação e a aplicação das regras pertinentes. Além disso, essas plataformas podem oferecer soluções personalizadas com base em padrões históricos e precedentes.

Outro aspecto crucial para o futuro é a educação e o treinamento de profissionais do direito. Advogados, juízes e outros membros do sistema jurídico precisarão adquirir novas habilidades para interagir eficazmente com ferramentas de IA. Isso inclui entender os fundamentos da tecnologia, interpretar os resultados dos algoritmos e avaliar as implicações jurídicas e éticas do uso dessas ferramentas.

Faculdades de Direito e instituições de treinamento profissional já estão começando a incorporar tópicos de IA e direito em seus currículos. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer para garantir que os profissionais estejam preparados para os desafios e oportunidades que a IA traz para o setor jurídico.

Por fim, a introdução da IA no direito levanta questões sobre o futuro da própria profissão jurídica, dada as suas características da destruição criativa schumpeteriana. Com a automação de tarefas rotineiras e a melhoria na eficiência dos processos, o papel dos advogados e outros profissionais do setor está mudando. A IA pode liberar os advogados para se concentrarem em tarefas mais criativas e estratégicas, mas também pode reduzir a demanda por certos tipos de trabalho jurídico. Por outro lado, novos campos de atuação podem surgir, como a necessidade de especialistas em direito da tecnologia e regulação de IA. A capacidade de advogados de colaborar com a tecnologia e usar a IA para agregar valor será uma habilidade cada vez mais valorizada.

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