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- O que diz o Direito Administrativo sobre a retroatividade normativa?
- A norma administrativa retroage para beneficiar o infrator?
- Como o Supremo Tribunal Federal influenciou essa mudança?
- O que mudou no julgamento da ANTT pelo STJ?
- Quais são os reflexos práticos dessa decisão?
- Conclusão
- Nossos canais
- Pesquisa

Por Couto & Sasso Advocacia
A norma administrativa retroage? Essa dúvida recorrente desperta discussões acaloradas entre juristas, gestores públicos e empresas sujeitas ao poder sancionador do Estado. Afinal, será possível aplicar uma norma administrativa mais benéfica mesmo que ela tenha sido editada após a ocorrência do fato infracional? Ou prevalece o princípio do “tempo rege o ato”?
Ademais, compreender essa questão é fundamental para garantir segurança jurídica nas relações com a Administração Pública. Principalmente em casos de sanções, como multas administrativas, onde valores e critérios podem mudar ao longo do tempo.
Portanto, se você atua ou se relaciona com o setor público, saber se a norma administrativa retroage é um conhecimento essencial. Vamos, então, mergulhar nessa análise detalhada e entender quando, como e por que isso pode (ou não) acontecer.
O que diz o Direito Administrativo sobre a retroatividade normativa?
Primeiramente, o Direito Administrativo organiza a atuação do Estado conforme princípios constitucionais essenciais. Dentre eles, destacam-se a legalidade, a moralidade, a publicidade, a impessoalidade e a eficiência.
Em segundo lugar, esse ramo jurídico disciplina a forma como órgãos públicos e agentes devem agir diante da sociedade. Assim, estabelece limites e prerrogativas para garantir a prestação de serviços com responsabilidade e transparência.
A norma administrativa, nesse contexto, detalha como essas diretrizes se aplicam em situações concretas. Ou seja, serve como instrumento técnico que operacionaliza as funções públicas no dia a dia.
Aliás, essas normas nascem de atos como portarias, resoluções e instruções normativas. E cada uma delas define procedimentos, competências e padrões de conduta a serem observados.
Contudo, quando se trata de aplicar penalidades, entra em cena o chamado poder sancionador. Esse poder confere à Administração o direito de punir quem descumpre normas administrativas.
Portanto, saber se a norma administrativa retroage torna-se vital para garantir o equilíbrio entre autoridade estatal e direitos individuais.
A norma administrativa retroage para beneficiar o infrator?
Anteriormente, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tendia a equiparar o Direito Administrativo Sancionador ao Direito Penal. Com isso, aceitava-se a retroatividade da norma administrativa mais benéfica.
Contudo, em decisão recente, o STJ alterou essa jurisprudência. No julgamento do caso envolvendo a ANTT, o tribunal decidiu que a norma administrativa retroage apenas se houver previsão legal expressa.
Conforme o novo posicionamento, aplica-se ao caso concreto a norma vigente à época da infração. Essa é a essência do princípio tempus regit actum — o tempo rege o ato.
Com efeito, isso afasta a aplicação automática de regras posteriores mais favoráveis, a menos que o legislador determine o contrário. Isto é, não se trata mais de uma escolha hermenêutica ampla, mas de uma regra com exceções específicas.
Assim sendo, a norma administrativa retroage apenas em situações excepcionais. Principalmente quando há autorização legislativa clara nesse sentido.
Em resumo, a retroatividade da norma administrativa sancionadora não é regra, mas sim exceção interpretativa, agora restrita pela recente jurisprudência.
Como o Supremo Tribunal Federal influenciou essa mudança?
Antes de tudo, é importante lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) tratou diretamente do tema no julgamento do Tema 1.199 da repercussão geral, em 2022.
De acordo com o voto vencedor do ministro Alexandre de Moraes, o princípio da retroatividade da norma mais benéfica é próprio do Direito Penal. E, por isso, não deve ser ampliado a outros ramos de forma automática.
Segundo o STF, a retroação penal se justifica por envolver a liberdade do indivíduo. Ou seja, trata-se de um direito fundamental que exige interpretação protetiva mais ampla.
Por consequência, nas sanções administrativas, deve prevalecer o princípio tempus regit actum, salvo disposição legal em sentido contrário. Assim, limita-se a interpretação extensiva que o STJ vinha aplicando até então.
Em virtude disso, a nova posição do STJ alinha-se à orientação do STF, fortalecendo a segurança jurídica nas relações entre Administração Pública e cidadãos.
Portanto, a norma administrativa retroage apenas quando houver base normativa que permita essa excepcionalidade.
O que mudou no julgamento da ANTT pelo STJ?
No caso analisado, uma empresa de transportes havia sido multada com base na Resolução ANTT 3.056/2009. À época, a multa mínima era de R$ 5.000,00. Porém, anos depois, a Resolução 4.799/2015 reduziu esse valor para R$ 550,00.
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, seguindo jurisprudência antiga, aplicou a norma mais benéfica retroativamente. Entretanto, ao julgar o recurso especial, o STJ reverteu essa decisão.
O relator, ministro Gurgel de Faria, sustentou que, conforme os parâmetros fixados pelo STF, a penalidade deve respeitar a norma vigente no momento da infração. Isso reafirma o princípio tempus regit actum.
Inclusive, outros ministros acompanharam o entendimento, inclusive a ministra Regina Helena Costa, que divergiu quanto ao mérito, mas respeitou a nova orientação colegiada.
Surpreendentemente, essa mudança revoga uma posição consolidada e afeta diretamente empresas, cidadãos e entes públicos. Afinal, impacta o valor de multas e as consequências jurídicas de infrações passadas.
Logo, a norma administrativa retroage apenas em situações quando expressamente previstas. No caso da ANTT, a penalidade voltou ao patamar de R$ 5.000,00, conforme a norma vigente à época da infração.
Quais são os reflexos práticos dessa decisão?
Com toda a certeza, a nova posição do STJ traz impactos diretos na prática administrativa e judicial. Empresas devem redobrar a atenção às normas vigentes no momento da conduta.
Assim também, os advogados que atuam em Direito Administrativo precisarão considerar esse novo critério ao defender seus clientes. Não basta alegar que determinada norma é mais benéfica: será necessário verificar se sua aplicação retroativa está autorizada.
Eventualmente, pode haver embates sobre qual norma se aplica a infrações anteriores. Nesses casos, a orientação é clara: o princípio tempus regit actum deve prevalecer, salvo disposição legal específica.
Com isso, a segurança jurídica ganha força, pois evita interpretações oscilantes e garante previsibilidade à atuação estatal.
De forma que, agora, a retroatividade de normas administrativas sancionatórias depende de previsão expressa. Isso limita o poder de mudança interpretativa dos tribunais.
Por fim, essa discussão abre espaço para outra questão relevante: é possível vender precatórios? Ambas as temáticas envolvem o tempo da norma e seus efeitos concretos no patrimônio dos administrados.
Conclusão
Afinal, a norma administrativa retroage? A resposta, à luz da atual jurisprudência do STJ e da interpretação do STF, é negativa. Salvo autorização legal expressa, prevalece o princípio tempus regit actum. Essa virada de entendimento promove maior estabilidade nas relações jurídicas com o Estado e reforça a previsibilidade das sanções administrativas. Para quem atua na seara pública, manter-se atualizado é imprescindível.
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