Como ficam as dívidas dos clubes com a constituição de uma SAF?

Por Thiago Couto, Marcelo Sasso e Leandro Almeida 

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A Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021, institui a Sociedade Anônima do Futebol, estabelecendo normas para sua constituição, governança, controle e transparência, além de definir meios de financiamento, tratamento dos passivos das entidades esportivas e um regime tributário específico. A lei também altera as Leis nº 9.615, de 24 de março de 1998, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

A Sociedade Anônima do Futebol (SAF) não é responsável pelas obrigações do clube ou da pessoa jurídica original que a constituiu, sejam elas anteriores ou posteriores à sua criação, exceto em relação às atividades diretamente ligadas ao seu objeto social. A SAF responderá pelas obrigações que lhe forem transferidas, conforme estabelecido no § 2º do art. 2º desta Lei, limitando-se a forma de pagamento aos credores ao que é definido no art. 10 desta Lei. 

No que diz respeito às dívidas trabalhistas, os atletas, membros da comissão técnica e funcionários cujas atividades estejam diretamente ligadas ao departamento de futebol são considerados credores. O clube ou a pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento das obrigações que existiam antes da criação da SAF, utilizando para isso suas próprias receitas e as receitas que lhe serão transferidas pela SAF. Essas transferências incluem 20% das receitas correntes mensais da SAF, conforme plano aprovado pelos credores, e 50% dos dividendos, juros sobre capital próprio ou outras remunerações que o clube ou pessoa jurídica original receba na condição de acionista.

Os administradores da SAF são pessoal e solidariamente responsáveis pelos repasses financeiros definidos no art. 10 desta Lei, assim como o presidente do clube ou os sócios administradores da pessoa jurídica original são responsáveis pelo pagamento aos credores dos valores transferidos pela SAF, conforme estabelecido nesta Lei. Enquanto a SAF estiver em dia com os pagamentos previstos, é proibido qualquer tipo de constrição ao seu patrimônio ou receitas, seja por penhora ou bloqueio de valores, em relação às obrigações anteriores à sua constituição.

O clube ou a pessoa jurídica original pode pagar suas obrigações diretamente aos credores ou, a seu critério, por meio do concurso de credores, utilizando o Regime Centralizado de Execuções previsto nesta Lei, ou através de recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

O Regime Centralizado de Execuções é uma alternativa prevista no Art. 14, na qual o clube ou pessoa jurídica que optar por essa modalidade se submeterá ao concurso de credores. Esse regime consiste em concentrar todas as execuções, receitas e valores arrecadados no juízo centralizador, conforme disposto no Art. 10, e distribuir esses valores aos credores de maneira ordenada. Caso não exista um órgão de centralização de execuções no Judiciário, o juízo centralizador será aquele que primeiro ordenou o pagamento da dívida.

O requerimento para adotar esse regime deve ser apresentado pelo clube ou pessoa jurídica original, sendo concedido pelo Presidente do Tribunal Regional do Trabalho para dívidas trabalhistas e pelo Presidente do Tribunal de Justiça para dívidas de natureza civil, conforme os requisitos para apresentação do plano de credores estabelecidos no Art. 16.

O Art. 15 estabelece que o Poder Judiciário deve disciplinar o Regime Centralizado de Execuções através de atos dos seus tribunais, conferindo um prazo de seis anos para o pagamento dos credores. Caso não haja regulamentação, o Tribunal Superior respectivo suprirá a omissão. Se ao final desse prazo o clube ou pessoa jurídica comprovar que quitou ao menos 60% do passivo original, o regime poderá ser prorrogado por mais quatro anos, com a possibilidade de reduzir a porcentagem das receitas mensais comprometidas para 15%, mediante solicitação ao juízo centralizador.

Por fim, o Art. 16 concede ao clube ou pessoa jurídica um prazo de até 60 dias para apresentar o plano de credores ao requerer a centralização das execuções. Esse plano deve incluir o balanço patrimonial, as demonstrações contábeis dos últimos três exercícios sociais, as obrigações consolidadas em execução, a estimativa auditada das dívidas em fase de conhecimento, o fluxo de caixa com projeção de três anos e um termo de compromisso de controle orçamentário.

Os clubes e as pessoas jurídicas originais deverão fornecer ao juízo centralizador e publicar em seus próprios sites as seguintes informações: os documentos exigidos nos incisos III, IV e V do caput deste artigo; a ordem da fila de credores com seus respectivos valores individualizados e atualizados; e os pagamentos efetuados no período.

No Regime Centralizado de Execuções, consideram-se credores preferenciais, para ordenação do pagamento, idosos, conforme a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso); pessoas com doenças graves; pessoas cujos créditos de natureza salarial sejam inferiores a 60 salários-mínimos; gestantes; pessoas vítimas de acidente de trabalho oriundo da relação de trabalho com o clube ou pessoa jurídica original; e credores com os quais haja acordo que preveja redução da dívida original em pelo menos 30%.

Na hipótese de concorrência entre os créditos, os processos mais antigos terão preferência. O pagamento das obrigações previstas no art. 10  privilegia os créditos trabalhistas, cabendo ao plano de pagamento dos credores, apresentado pelo clube ou pessoa jurídica original, definir sua destinação. A partir da centralização das execuções, as dívidas de natureza cível e trabalhista serão corrigidas somente pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), ou outra taxa de mercado que vier a substituí-la.

É facultado às partes, por meio de negociação coletiva, estabelecer o plano de pagamento de forma diversa. Ao credor titular do crédito, é facultada a conversão, no todo ou em parte, da dívida do clube ou pessoa jurídica original em ações da Sociedade Anônima do Futebol ou em títulos por ela emitidos, desde que previsto em seu estatuto. Ao credor de dívida trabalhista e ao credor de dívida cível, de qualquer valor, é facultado anuir, a seu exclusivo critério, ao deságio sobre o valor do débito. Ao credor de dívida trabalhista, como titular do crédito, a seu exclusivo critério, é facultada a cessão do crédito a terceiro, que ficará sub-rogado em todos os direitos e obrigações do credor e ocupará a mesma posição do titular do crédito original na fila de credores, devendo ser dada ciência ao clube ou pessoa jurídica original, bem como ao juízo centralizador da dívida para que promova a anotação.

Enquanto o clube ou pessoa jurídica original cumprir os pagamentos previstos, é vedada qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às receitas, por penhora ou ordem de bloqueio de valores de qualquer natureza ou espécie sobre as suas receitas. Superado o prazo de 6 (seis) anos, a Sociedade Anônima do Futebol responderá, nos limites estabelecidos das obrigações estabelecidas no art. 9º da Lei, subsidiariamente, pelo pagamento das obrigações civis e trabalhistas anteriores à sua constituição, salvo a existência de plano de pagamento de forma diversa.

O clube, ao escolher a opção prevista no inciso II do artigo 13 da Lei, e por exercer atividade econômica, é considerado parte legítima para solicitar a recuperação judicial ou extrajudicial, conforme a Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Além disso, os contratos bilaterais, assim como os contratos de atletas profissionais vinculados ao clube ou pessoa jurídica original, não serão rescindidos em razão do pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, podendo ser transferidos para a Sociedade Anônima do Futebol no momento de sua constituição.

A Sociedade Anônima do Futebol representa um marco significativo para a gestão financeira e administrativa dos clubes de futebol no Brasil. Ao adotar o modelo de SAF, os clubes ganham maior transparência e governança, o que facilita a atração de investimentos e o cumprimento das obrigações legais. Além disso, a estrutura da SAF oferece um caminho mais seguro e estruturado para a quitação das dívidas acumuladas, uma vez que permite a reestruturação financeira e a recuperação judicial organizada. Ao focar na quitação das dívidas e no fortalecimento institucional, a SAF desempenha um papel vital na revitalização do futebol brasileiro, contribuindo para a competitividade e a profissionalização do esporte no país.

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