Licitações e a contratação direta pelo poder público

Por Thiago Couto, Marcelo Sasso e Leandro Almeida 

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O dever de realizar licitações deriva de uma disposição constitucional. Quando a Constituição Federal de 1988 foi promulgada, o legislador optou por estabelecer uma regra mais detalhada para as compras e aquisições que envolvem recursos públicos, permitindo um controle mais amplo por parte da sociedade e dos Tribunais de Contas.

Podemos concluir que a regra primordial é a realização de licitações, o que significa que todas as entidades da administração pública em todas as esferas do governo, com algumas exceções, estão obrigadas a seguir esse procedimento.

No entanto, é importante destacar que, enquanto a competência para estabelecer “normas gerais” de licitação é da União, os outros níveis de governo (Estados, Distrito Federal e Municípios) podem criar regras específicas para o processo. A única limitação é que as regras específicas dos níveis inferiores não podem entrar em conflito com as normas gerais estabelecidas pela União.

Nesse contexto, é crucial fazer uma distinção: a União tem competência exclusiva para legislar sobre as normas gerais de contratação, enquanto os Estados, Distrito Federal e Municípios têm competência para criar regras específicas de licitação, desde que essas regras sigam as diretrizes gerais estabelecidas pela União.

O professor Hely Lopes Meirelles define licitação como “o procedimento administrativo pelo qual a administração pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse”.

Destas posições, destacamos que a licitação deve ser entendida como procedimento e não um mero ato administrativo. Sendo regida pelo direito público, extraímos que suas normas estão no âmbito do Direito Constitucional e Administrativo. Dessa situação decorrem diversas prerrogativas. E é um contrato de interesse público, quando conduzida em todo seu procedimento, com o respectivo vencedor do certame, e sua proposta mais vantajosa, essa deve refletir o melhor interesse público.

A regra geral é que as normas de licitação se apliquem obrigatoriamente à Administração Pública (Direta e Indireta) de todos os níveis federativos, inclusive a órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário quando exercem funções administrativas atípicas.

A Lei de Licitações nº 14.133, de 1º de abril de 2021 estabelece as regras e princípios para a contratação de bens, serviços e obras pela administração pública. Também abrange fundos especiais e outras entidades controladas direta ou indiretamente pela Administração Pública. Excepcionalmente, a Nova Lei das Licitações não se aplica a empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, que seguem o Estatuto das Empresas Estatais.

Porém, há uma exceção importante: mesmo que as empresas estatais não estejam totalmente sujeitas às regras da nova lei, devem obedecer às disposições da Lei das Licitações em relação aos aspectos penais, ou seja, aos crimes relacionados a licitações públicas, que agora estão explicitamente incluídos no Código Penal.

Relevante ressaltar que as contratações feitas por entidades públicas no exterior devem considerar as peculiaridades locais e os princípios fundamentais da Nova Lei das Licitações.

Em resumo, podemos delinear o escopo de aplicação da Nova Lei das Licitações da seguinte maneira: Devem observar: Administração Direta, autárquica e fundacional de todos os entes; órgãos dos poderes quando na função atípica de administrar; fundos especiais e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela Administração Pública. Por sua vez, não estão abrangidos pela Lei 14.133/2021, as Empresas Públicas e Sociedade de Economia Mistas, assim como suas subsidiárias.

Uma questão de interesse refere-se ao âmbito de aplicação da Lei das Licitações. Nesse contexto, a norma estabelece tanto as situações em que será aplicada quanto aquelas em que não será aplicada. Será aplicada, em caso de:  alienação e concessão de direito real de uso de bens; compra, inclusive por encomenda; locação; concessão e permissão de uso de bens públicos; prestação de serviços, inclusive os técnicos profissionais especializados; obras  e   serviços  de   arquitetura  e engenharia; e contratações de tecnologia da informação e de comunicação.

E não será aplicada em: contratos que tenham por objeto operação de crédito, interno ou externo, e gestão de dívida pública, incluídas as contratações de agente financeiro e a concessão de garantia relacionadas a esses contratos; e contratações sujeitas a normas previstas em legislação própria.

Desta forma, uma licitação efetiva é de extrema importância, proporcionando transparência, igualdade de oportunidades e competitividade na aquisição, buscando garantir o uso adequado dos recursos públicos e privados. Ademais, a licitação bem conduzida fortalece a confiança dos cidadãos na gestão pública, uma vez que demonstra a utilização responsável dos recursos e a busca pelo melhor custo-benefício. Essa confiança é essencial para a estabilidade institucional e o desenvolvimento do país.

A Nova Lei de Licitações estabelece a obrigatoriedade do processo licitatório como regra geral para a escolha do contratado, garantindo a concorrência e a igualdade de oportunidades entre os interessados em prestar os serviços ou fornecer os bens requeridos. Entretanto, o próprio texto legal prevê algumas hipóteses de contratação direta, nas quais a licitação não é obrigatória. Dentre essas exceções, destacam-se a dispensa e a inexigibilidade de licitação, vejamos:

Art. 72. O processo de contratação direta, que compreende os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, deverá ser instruído com os seguintes documentos:

I – documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto executivo;

II – estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabelecida no art. 23 desta Lei;

III – parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o atendimento dos requisitos exigidos;

IV – demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orçamentários com o compromisso a ser assumido;

V – comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária;

VI – razão da escolha do contratado;

VII – justificativa de preço;

VIII – autorização da autoridade competente.

Parágrafo único. O ato que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial.

Art. 73. Na hipótese de contratação direta indevida ocorrida com dolo, fraude ou erro grosseiro, o contratado e o agente público responsável responderão solidariamente pelo dano causado ao erário, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.

A inexigibilidade de licitação ocorre quando é impossível competir a prestação de determinado serviço ou fornecimento de bem, em razão da singularidade do objeto ou da inviabilidade de encontrar outra empresa ou profissional que o forneça. São exemplos de inexigibilidade de licitação a contratação de artistas renomados para eventos culturais específicos ou a contratação de especialistas altamente qualificados para realização de serviços técnicos de elevada complexidade.

A inexigibilidade de licitação é uma possibilidade prevista em lei para garantir que o poder público tenha acesso a produtos ou serviços de qualidade e relevância, sem a necessidade de disputa. No entanto, é um ponto sensível e deve ser tratado com cuidado para evitar possíveis abusos e desvios, conforme art. 74:

Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:

I – aquisição de materiais, de equipamentos ou de gêneros ou contratação de serviços que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos;

II – contratação de profissional do setor artístico, diretamente ou por meio de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública;

III – contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação:

a) estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou projetos executivos;

b) pareceres, perícias e avaliações em geral;

c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;

d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;

e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;

f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;

g) restauração de obras de arte e de bens de valor histórico;

h) controles de qualidade e tecnológico, análises, testes e ensaios de campo e laboratoriais, instrumentação e monitoramento de parâmetros específicos de obras e do meio ambiente e demais serviços de engenharia que se enquadrem no disposto neste inciso;

IV – objetos que devam ou possam ser contratados por meio de credenciamento;

V – aquisição ou locação de imóvel cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha.

Já a dispensa de licitação (art. 75) ocorre quando a administração pública deixa de realizar o procedimento licitatório, optando por contratar diretamente um fornecedor, desde que presentes determinadas situações previstas na legislação. Entre as justificativas para a dispensa de licitação, podem estar a inviabilidade de competição, a existência de emergência ou calamidade pública, ou quando há inviabilidade de obtenção de outra proposta para determinado bem ou serviço.

Por um lado, a dispensa de licitação pode acelerar o processo de contratação em situações emergenciais, possibilitando a pronta resposta do poder público a problemas ou demandas imediatas. Por outro lado, a falta de competição pode levar a uma escolha menos vantajosa para o erário público, aumentando os riscos de direcionamento e favorecimento. 

A contratação direta, tanto por dispensa quanto por inexigibilidade de licitação, possui suas vantagens e desvantagens. Entre os principais pontos positivos, podemos destacar:

  • Agilidade e Rapidez: Em situações emergenciais, como desastres naturais ou situações de calamidade pública, a contratação direta pode agilizar a prestação de serviços e o fornecimento de bens essenciais, permitindo uma resposta rápida e eficaz do poder público.
  • Escolha de Profissionais Especializados: A inexigibilidade de licitação permite a contratação de profissionais altamente especializados, como médicos renomados, palestrantes de renome ou consultorias técnicas altamente qualificadas, garantindo a excelência na prestação de serviços.
  • Menor Custo e Economia de Recursos: Em alguns casos, a contratação direta pode representar uma economia de recursos públicos, especialmente quando há certeza de que determinado fornecedor oferece a melhor relação custo-benefício para o poder público.

Por outro lado, os pontos negativos da contratação direta também precisam ser considerados:

  • Riscos de Corrupção e Favorecimento: A contratação direta pode aumentar os riscos de corrupção e favorecimento de empresas ou profissionais, uma vez que a competição é eliminada, abrindo espaço para práticas ilícitas.
  • Falta de Transparência: Em muitos casos, a contratação direta pode ocorrer sem a devida transparência e publicidade, o que prejudica o controle social e a fiscalização dos gastos públicos.
  • Ausência de Concorrência: A falta de concorrência pode levar a um cenário de monopólio ou oligopólio em determinados setores, o que pode prejudicar a qualidade dos serviços prestados e a oferta de preços mais vantajosos para o poder público.

A contratação direta é uma possibilidade prevista em lei, mas que deve ser utilizada com parcimônia e observância estrita dos princípios de legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade. A dispensa e a inexigibilidade de licitação podem representar uma ferramenta útil para situações emergenciais e contratações de serviços altamente especializados, mas também apresentam riscos significativos que não podem ser ignorados.

Nesse sentido, é fundamental que o poder público mantenha a transparência em seus processos de contratação, adote critérios objetivos para a escolha dos fornecedores, e implemente mecanismos efetivos de controle e fiscalização para evitar a ocorrência de práticas ilícitas. Somente assim, a contratação direta poderá ser utilizada de forma responsável e em benefício da sociedade como um todo.

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