Por Thiago Couto, Marcelo Sasso e Leandro Almeida
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A hierarquia é a existência de níveis de subordinação, verticalmente escalonados, dentro da Administração Pública. Assim, o poder hierárquico decorre desta relação hierárquica de coordenação e subordinação. Em geral, observa-se como desdobramento deste poder as prerrogativas que o superior detém na administração, de dar ordens, fiscalizar, controlar, aplicar sanções, avocar e delegar competências aos seus subordinados.
Já a delegação pode ser conceituada como o ato discricionário, revogável a qualquer tempo, mediante o qual o superior hierárquico confere o exercício temporário de algumas atribuições, originariamente pertencentes ao seu cargo, a um subordinado. De suma importância vermos a lição da doutrinadora Maria Sylvia de Pietro sobre o tema:
“A organização administrativa é baseada em dois pressupostos fundamentais: a distribuição de competências e a hierarquia. O direito positivo define as atribuições dos vários órgãos administrativos, cargos e funções e, para que haja harmonia e unidade de direção, ainda estabelece uma relação de coordenação e subordinação entre os vários órgãos que integram a Administração Pública, ou seja, estabelece a hierarquia. No entanto, mesmo quando dependa de lei, pode-se dizer que da organização administrativa decorrem para a Administração Pública diversos poderes: o de delegar atribuições que não lhe sejam privativas.”
Quando abordamos os processos administrativos, temos a aplicação subsidiária da Lei 9.784/1999 aos estados e municípios que não possuam norma própria. O referido entendimento se encontra consubstanciado na Súmula 633 do Superior Tribunal de Justiça, bem como, no artigo 69 da Lei em comento, vejamos:
“Súmula 633 A Lei n. 9.784/1999, especialmente no que diz respeito ao prazo decadencial para a revisão de atos administrativos no âmbito da Administração Pública federal, pode ser aplicada, de forma subsidiária, aos estados e municípios, se inexistente norma local e específi ca que regule a matéria.”
“Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.”
Desta forma, no artigo 13 da Lei instituidora do processo administrativo federal, proíbe de forma expressa a delegação de competência exclusiva do órgão ou autoridade, sendo a seguinte redação do artigo:
“Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:
I – a edição de atos de caráter normativo;
II – a decisão de recursos administrativos;
III – as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.”
Neste ponto, cumpre destacar duas informações importantes para entendimento do caso. A primeira é a conceituação de competência exclusiva, sendo a atribuição a determinado sujeito sem a possibilidade de delegação.
A segunda, seria quais são as atribuições do Chefe do Executivo municipal. Na doutrina temos os ensinamentos de Hely Lopes Meireles. “O prefeito tem o dever de prestar contas de sua gestão financeira orçamentária anual à Câmara.” Conforme jurisprudência aborda os limites de delegação de competência exclusiva:
APELAÇÃO – Embargos à execução – Termo de ajustamento de conduta – Ilegitimidade passiva, do Secretário Municipal de Negócios Jurídicos, constatada – Matéria de competência exclusiva do Prefeito que, como representante do ente federado, assume, em nome deste, obrigações – Outrossim, mesmo que se considere função delegável, no caso, verifica-se a ausência de Decreto delegatório – Inteligência do parágrafo único, do artigo 52, da Lei Orgânica Municipal – Simples autorização que não se reveste da publicidade adequada – Reforma da r. sentença – Extinção da execução – Inexigibilidade do título – Recurso provido.
(TJSP; Apelação Cível 1003498-50.2016.8.26.0318; Relator (a): Silvia Meirelles; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro de Leme – Vara Criminal; Data do Julgamento: 30/10/2017; Data de Registro: 31/10/2017)
O ato de delegação de competência exclusiva de Prefeito é ilegal, por ser motivo de vício insanável, não admitindo convalidação. Diante disto, o ato indevidamente delegado deveria ser considerado nulo com efeitos ex tunc. Conforme artigo 2º, parágrafo único, b, da Lei nº 4.717/65:
“Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;”
Ademais, ensina sobre atos inválidos Celso Antônio Bandeira de Melo:
“Não há graus na invalidade. Ato algum em Direito é mais inválido do que outro. Todavia, pode haver e há reações do Direito mais ou menos radicais ante as várias hipóteses de invalidade. Ou seja: a ordem normativa pode repelir com intensidade variável atos praticados em desobediência às disposições jurídicas, estabelecendo, destarte, uma gradação no repúdio a eles.”
Neste sentido, deverá ser decretada a anulação do ato de delegação devendo ser retirado do mundo jurídico, retroagindo seus efeitos ao momento da prática deste. E todos seus efeitos deverão ser desconstituídos, não gerando direitos ou obrigações e não criando situações jurídicas definitivas, pelas aludidas razões de direito.
Conforme estabelecem o artigo 53 da Lei 9.784/1999 e o poder-dever contido na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, a administração deve anular seus atos quando presentes vícios insanáveis, seguem os dispositivos:
“Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.”
“Súmula 473: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque dêles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. “
Em complemento, a jurisprudência é rica em estabelecer que vícios insanáveis, devem ser anulados com efeitos ex tunc, portanto retroativos:
APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO POR MORTE. CANCELAMENTO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. VÍCIOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AOS PRINCIPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ART. 5.º, LV DA CF/88. NOTIFICAÇÃO SUBSCRITA POR ESTAGIÁRIA. VÍCIO INSANÁVEL. COMPETÊNCIA DO ATO ADMINISTRATIVO. ART. 111 DA LEI ESTADUAL N.º 12.209/11. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Estado da Bahia em face da sentença que concedeu a segurança para determinar o restabelecimento de benefício previdenciário de pensão por morte pela parte ora apelada. 2. Em que pese a ausência de cópia integral de eventual processo administrativo instaurado pelo Poder Público, identifica-se a apresentação de cópia de notificação endereçada ao beneficiário/impetrante, a qual fora subscrita por “estagiária de Direito”, integrante da Coordenação de Controle de Benefícios CCON. 3. Tratando-se, a competência, de requisito vinculado do ato administrativo, é de se destacar a nulidade absoluta de notificação subscrita por estagiária, quando ausente a indicação de servidor público responsável. 4. Assim, constatada a existência de vício insanável, mostra-se incabível a irresignação recursal, mantendo-se o resultado da sentença de 1.º Grau.
(TJ-BA – APL: 05316832420168050001, Relator: JOANICE MARIA GUIMARAES DE JESUS, TERCEIRA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/04/2020)Resumindo, a hierarquia e o poder hierárquico possuem algumas prerrogativas, dentre elas a delegação de competências. No entanto, esta encontra limites para sua execução, sendo que se a natureza dos vícios são insanáveis, deverá ser decretada a anulação do ato de delegação, e ser retirado do mundo jurídico, retroagindo seus efeitos ao momento da prática deste.
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