Por Thiago Couto, Marcelo Sasso e Leandro Almeida
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O Código de Defesa do Consumidor (CDC) no Brasil não abordava de forma direta o superendividamento, mas oferecia ferramentas e princípios que podiam ser aplicados para tratar essa situação. Como os princípios da boa-fé e transparência (Artigo 4º, III), exigindo que fornecedores forneçam informações claras e compreensíveis sobre produtos e serviços.
A existência de práticas abusivas (art. 39 e 42) e publicidade enganosa (art. 37) permite que consumidores questionem cláusulas contratuais abusivas (art. 51 e 52) que possam ter contribuído para a acumulação excessiva de dívidas. Em casos de arrependimento da compra, o direito ao arrependimento (art. 49) pode ser invocado, possibilitando a devolução do valor pago.
Além disso, o CDC incentiva a negociação direta entre consumidores e fornecedores (art. 4º, III) como meio de resolver conflitos, incluindo questões financeiras. A busca por soluções consensuais é encorajada. Em situações mais complexas, os consumidores podem recorrer à assistência jurídica para ingressar com ações judiciais (art. 6º, VI), permitindo que o Poder Judiciário analise e tome medidas para reequilibrar a relação.
No entanto, a Lei n. 14.181, de 1º de julho de 2021, promoveu alterações no CDC para aperfeiçoar esses mecanismos de crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. Entre estes estão núcleos de conciliação e mediação (art. 104-A e 104-B), além do estabelecimento de ações voltadas à educação financeira da população.
A Lei conceitua o superendividamento em seu art. 54-A, como sendo a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.
Como perceptível, o superendividamento é uma ferramenta do consumidor, pessoa natural e de boa-fé. Ou seja, trata-se de uma recuperação creditícia da pessoa física. Assim, o objeto desta recuperação são as dívidas de compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada (§ 2º, art. 54-A). E excluídas as de luxo ou alto valor (§ 3º, art. 54-A).
Notadamente, o instituto busca assegurar o mínimo existencial, nesse sentido é o Enunciado 4 da Primeira Jornada de Pesquisa CDEA sobre superendividamento UFRGS-UFRJ: “A menção ao mínimo existencial, constante da Lei 14.181/2021, deve abranger a teoria do patrimônio mínimo, com todas as suas aplicações doutrinárias e jurisprudenciais”. O mínimo existencial é conceito fluido e aberto de difícil definição, pois em cada caso pode-se apresentar sob um aspecto diferente, em quantidades diferentes a depender das necessidades e possibilidades de cada pessoa.
Destaque para a necessidade de requerimento do superendividado ao juiz, que poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória. Porém, para esse requerimento, não basta um pedido genérico, deverá ser acompanhado de proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.
Caso esse procedimento não seja exitoso, o juiz, a pedido do superendividado, instaurará processo para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado.
Deve-se ressaltar, que o juízo competente para julgar ações de superendividamento é a justiça comum estadual, mesmo havendo interesse da União, conforme inteligência do Conflito de Competência nº 193.066-DF de relatoria do Ministro Marco Buzzi, julgado aos 22/03/2023.
Interessante observar, que além do superendividamento em si, as alterações impõem diversas obrigações no fornecimento do crédito. Devendo os fornecedores de crédito nesta relação observarem atentamente os artigos 54-B, 54-C, 54-D, 54-F e 54-G, para não incorrerem em qualquer ilegalidade e permanecerem dentro dos ditames da lei.
Por fim, a previsão legal do superendividamento é de suma importância para oferecer proteção e orientação aos consumidores em situações financeiras delicadas. A existência de disposições específicas no ordenamento jurídico possibilita a criação de mecanismos eficazes para lidar com casos de endividamento excessivo.
Ao estabelecer diretrizes claras relacionadas ao superendividamento, a legislação proporciona uma base sólida para a proteção dos direitos dos consumidores. Essa previsão legal cria um ambiente em que os consumidores podem confiar na existência de instrumentos jurídicos que respaldam sua posição em situações de dificuldade financeira.
A previsão legal do superendividamento contribui para a justiça nas relações de consumo. Ela permite que as partes envolvidas – consumidores e fornecedores – tenham parâmetros claros sobre o que é considerado prática abusiva, cláusula contratual prejudicial ou publicidade enganosa no contexto do endividamento excessivo.
Essa previsão legal do superendividamento desempenha um papel crucial na construção de um ambiente jurídico e social que protege os consumidores e fornecedores, promovendo a equidade nas relações de consumo e contribui para a prevenção e solução de casos de endividamento excessivo.
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